Educação Liberal

 “Ao nosso ver, a chave mysteriosa das desgraças que nos affligem, é esta e só esta: a ignorância popular, mãe da servilidade e da miseria. Eis a grande ameaça contra a existencia constitucional e livre da nação; eis o formidavel inimigo, o inimigo intestino, que se asyla nas entranhas do paiz” (BARBOSA, 1932, p. 289).


“O trabalho, pois, vos ha de bater á porta dia e noite; e nunca vos negueis ás suas visitas, se quereis honrar vossa vocação, e estaes dispostos a cavar nos veios de vossa natureza, até dardes com os thesoiros, que ahi vos haja reservado, com animo benigno, a dadivosa Providencia. Ouvistes aldrabar da mão occulta, que vos chama ao estudo? Abri, abri, sem detença. Nem, por vir muito cedo, lh'o leveis a mal, lh'o tenhaes á conta de importuna. Quanto mais matutinas essas interrupções do vosso dormir, mais lh´as deveis agradecer” (BARBOSA, 1932, p. 309).


“O quadro de esmagadora tristeza que levamos traçado (...) deve acordar na alma dos patriotas, de todos os homens de honra, de todos os amigos deste país, a energia das grandes resoluções, sopitadas pelos nossos hábitos de hereditário desleixo. Uma reforma radical do ensino público é a primeira de todas as necessidades da pátria, amesquinhada pelo desprezo da cultura científica e pela insigne deseducação do povo. Sob esta invocação, conservadores e liberais, no Brasil, podem reunir-se em um terreno neutro: o de uma reforma que não transija com a rotina. Num país onde o ensino não existe, quem disser que é 'conservador em matéria de ensino', volteia as costas ao futuro e desposa os interesses da ignorância. É preciso criar tudo; porquanto o que aí está, salvo raríssimas exceções, e quase todas no ensino superior, constitui uma perfeita humilhação nacional” (BARBOSA, 1947, p. 143).


“As palavras cidadão e cidadania trazem à lembrança, naturalmente, as famosas declarações dos Direitos do Homem e do Cidadão. Tais declarações, surgidas no processo da Revolução Francesa do século XVIII, quando a burguesia, ao desalojar a aristocracia, conquista o poder político, substituem o monsieur do Antigo Regime pelo citoyen da República. O cidadão pleno é, então, como se verá, o proprietário. (...) Só os proprietários é que têm direito à plena liberdade e à plena cidadania. Aos não-proprietários cabe uma cidadania de segunda ordem: enquanto cidadãos passivos, têm direito à proteção de sua pessoa, de sua liberdade e de sua crença, porém não são qualificados para serem membros ativos do soberano” (BUFFA, 1999, p. 11 e 27).


“Esse mesmo movimento criou a imagem da velha ordem como uma experiência social que girava igualmente em torno de outros pólos: Deus-Diabo, céu-inferno, virtude-pecado, alma-corpo, servo-senhor. Essa imagem do social, assim polarizada, moldou a educação moderna, concebida para atuar no segundo pólo, daí a centralidade política a que for elevada, se na velha ordem era Deus quem vencia o Diabo, era a virtude que dominava o vício, e era a graça divina que criava o novo homem livre – 'livres pela graça de Deus' –, na nova ordem deveria ser a educação quem venceria a barbárie, afastaria as trevas da ignorância e constituiria o cidadão” (ARROYO, 1999, p. 36).


“A pedagogia moderna faz parte de um movimento global de redefinição e afirmação de coordenadas políticas como submissão-liberdade, exclusão-participação, absolutismo-república, barbárie-civilização. A pedagogia moderna nasce política enquanto se origina nessa totalidade de questões políticas que se tornaram centrais no final da Idade Média, no Renascimento e no Século das Luzes. Essas questões giram em torno da origem do poder, sua legitimidade, as formas de governo, a soberania do príncipe ou do povo, a participação e a cidadania” (ARROYO, 1999, p. 35).

“A história se encarregaria de demonstrar a dificuldade histórica de construir a democracia brasileira com base na democracia e na educação. Não por acaso, até hoje, os governantes recordam com muita recorrência a prioridade da educação como tema do discurso. A universalização de uma escola democrática e de qualidade é ainda neste país projeto de futuro. Do passado, dialogamos com temas presentes e, pensando nisso, indagamos: será que a especificidade da educaçã o moderna neste país está no fato de sempre estarmos à espera dela?” (BOTO, 1999, p. 16).



“... o ensino vem immediatamente depois [da justiça], no seu papel de orientador, de encaminhador da força das forças: a actividade humana, a rainha da creação. Todos reconhecem essa verdade. Todos quereriam reduzir a massa de analphabetos do Brasil, onde 80 por cento da população o é. Mas todos se deixam deter pelo argumento da falta de recursos. A situação é esta: não ha ensino, porque não ha dinheiro, e não ha dinheiro porque não ha ensino. Como se deve resolver o problema? Sacrificando o ensino ou o dinheiro? A resposta só pode ser uma: sacrificando o dinheiro. E por um motivo: não ha emprego de capital mais compensador. O indice da propriedade de cada Estado está na razão directa da sua instrução. O mesmo se dá em toda parte. As estatísticas provam-no dum modo eloquente. Cada espirito que se cultiva, que entra em contacto com a vida intellectual, cria necessidades caras e para isso se entrega a actividades que lhe proporcionam o satisfazê-las” (BARBOSA, 1932, p. 313).


“O ideário republicano já acena, pois, com a irredutível incompatibilidade entre um sistema verdadeiramente representativo e a ignorância popular, até então voluntariamente mantida por uma ordem social que prescindia da 'vontade geral' para agir com total onipotência sobre a 'coisa pública'. Havia, nessa perspectiva dos republicanos emergentes, um antagonismo essencial entre realeza e povo, a partir do qual a governabilidade da ordem monárquica se tornava gradualmente instável e sujeita a perturbações. ... Os republicanos concebiam-se como agentes portadores das luzes da razão, no advento de um novo modelo inspirado em países mais adiantados” (BOTO, 1999, p. 4).


“Acerca disso pode-se tomar Rui Barbosa como um exemplo da ilustração liberal brasileira na rota do desenvolvimento do país. Em seus pareceres sobre a reforma do ensino primário, o autor apresenta nitidamente sua concepção sobre o terreno a ser cultivado. A prosperidade da nação deveria se aliar ao trabalho; e este, a seu corolário intrínseco: a instrução popular” (BOTO, 1999, p. 4).



BARBOSA, R. Quadro do ensino no Brasil [e outros textos]. In PEREIRA, B. Diretrizes de Rui Barbosa. São Paulo: Nacional, 1932, p. 287-313.

BARBOSA, R. Reforma no ensino primário e várias instituições complementares da instrução pública. In Obras completas de Rui Barbosa. v. X, t. II. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947.

BOTO, C. A escola primária como tema do debate político às vésperas da República. Revista Brasileira de História. v. 19, n. 38, São Paulo, 1999. Versão na internet, em 19páginas : Disponível em: . Acesso em: 12.06.2001.

BUFFA, E. Educação e cidadania burguesas. In BUFFA, E.; ARROYO, M. & NOSELA, P. Educação e cidadania: quem educa o cidadão? 7. ed. São Paulo: Cortez, 1999, p. 11-30. (Col. Questões da Nossa Época, 19).

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