Ideologias nas escolas


por meio de práticas pedagógicas de cunho elitista, a valorização relativa dos trabalhadores não-manuais. Essas práticas são recobertas pela ideologia do mérito, que apresenta a escola como um espaço de reconhecimento dos esforços pessoais. Impregnado dessa ideologia, o professor se vê, ele próprio, como detentor de um elevado mérito pessoal, que o credencia para o exercício da profissão docente e como agente do reconhecimento dos méritos pessoais dos alunos (SAES, 2007, p. 112).


Ela se encarrega das crianças de todas as classes sociais desde o maternal, e desde o maternal ela lhes inculca durante anos, precisamente durante aqueles em que a criança é mais “vulnerável”, espremida entre o aparelho de estado familiar e o aparelho de Estado escolar, os saberes contidos na ideologia dominante (o francês, o cálculo, a história natural, as ciências, a literatura) ou simplesmente a ideologia dominante em estado puro (moral, educação física, filosofia). Por volta do 16º ano, uma enorme massa de crianças entra na “produção”: são os operários ou os pequenos camponeses. Uma outra parte da juventude escolarizável prossegue: e, seja como for, caminha para os cargos dos pequenos e médios quadros, empregados, funcionários, pequenos burgueses de todo tipo. Uma última parcela chega ao final do percurso, seja para cair no semi-emprego intelectual, seja para fornecer além dos “intelectuais do trabalhador coletivo”, os agentes da exploração (capitalistas, gerentes), os agentes da repressão (militares, policiais, políticos, administradores) e os profissionais da ideologia (padres de toda espécie, que em sua maioria são “leigos” convictos). Cada grupo dispõe da ideologia que convém ao papel que ele deve preencher na sociedade de classe: papel de explorado (a consciência “profissional”, “moral”, “cívica”, “nacional” e apolítica altamente “desenvolvida”); papel de agente da exploração (saber comandar e dirigir-se aos operários: as “relações humanas”), de agentes de repressão (saber comandar, fazer-se obedecer “sem discussão”, ou saber manipular a demagogia da retórica dos dirigentes políticos), ou de profissionais da ideologia (saber tratar as consciências com o respeito, ou seja, o desprezo, a chantagem, a demagogia que convêm, com as ênfases na moral, na virtude, na “transcendência”, na nação, no papel da França no mundo etc.) (ALTHUSSER, 1983, p. 79-80).

 

Não podendo invocar o direito do sangue – que sua classe historicamente recusou à aristocracia – nem os direitos da natureza, arma outrora dirigida contra a “distinção nobiliárquica”, nem as virtudes ascéticas que permitiam aos empreendedores da primeira geração justificar seu sucesso através de seu mérito, o herdeiro dos privilégios burgueses deve apelar hoje para a certificação escolar que atesta simultaneamente seus dons e seus méritos. A ideia contra a natureza de uma cultura de nascimento supõe e produz a cegueira face às funções da instituição escolar que assegura a rentabilidade do capital e legitima a sua transmissão dissimulando ao mesmo tempo em que preenche essa função. Assim, numa sociedade em que a obtenção dos privilégios sociais depende cada vez mais estreitamente da posse de títulos escolares, a escola tem apenas por função assegurar a sucessão discreta a direitos de burguesia que não poderiam mais se transmitir de uma maneira direta e declarada. Instrumento privilegiado da sociodicéia burguesa que confere aos privilegiados o privilégio supremo de não aparecer como privilegiados, ela consegue tanto mais facilmente convencer os deserdados que eles devem seu destino escolar e social à sua ausência de dons ou de méritos, quanto em matéria de cultura a absoluta privação de posse exclui a consciência da privação de posse (BOURDIEU, 1982, p. 218). 


John Dewey: “a escola regula a distribuição social. Daí não ser a educação mais do que um esforço para redistribuir os homens pelas diversas ocupações e meios de vida em que se repartem as atividades humanas” (DEWEY, 1959, p. 24).

 Poulantzas:  a ideologia tem precisamente por função, ao contrário da ciência, ocultar as contradições reais, reconstituir, num plano imaginário, um discurso relativamente coerente que serve de horizonte ao “vivido” dos agentes, moldando as suas representações nas relações reais e inserindo-as na unidade das relações de sua formação (1971, p. 31).


“não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência” (ENGELS, MARX, 1975, p. 25-26).
 

A ideologia, com efeito, é um processo que se opera pelo chamado pensador conscientemente, mas com uma consciência falsa. As verdadeiras forças propulsoras que o movem permanecem ignoradas para ele. De outra forma, não seria tal processo ideológico (ENGELS, 1974, p. 523). 


Segundo Poulantzas; o papel político da ideologia dominante burguesa, dominada pela região jurídico-política, consiste no fato de tentar impor ao conjunto da sociedade um “modo de vida” através do qual o Estado será vivido como representante do “interesse geral” da sociedade, como detentor das chaves do universal, face a indivíduos privados (1971, p. 39).

“A rede SS” (secundário-superior – CMB) “visa formar os intérpretes ativos da ideologia burguesa, enquanto que a rede PP” (primárioprofissional – CMB) “não procura mais que submeter brutalmente os futuros proletários à ideologia dominante. (...) As duas formas de inculcação da mesma ideologia tendem a fabricar dois produtos ideológicos distintos: de um lado, o burguês inconsciente de sê-lo (com suas diferentes máscaras: o homem superior, o homem culto, o ser de elite, o homem honesto, o sábio, o humanista, o artista...), de outro, o trabalhador pequeno-burguês” (tradução nossa – CMB) (BAUDELOT; ESTABLET, 1971, p. 168-169).


Referências bibliográficas 

POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais. Porto: Portucalense, 1971 (2 volumes). SAES, Décio. A ideologia docente em A Reprodução, de Pierre Bourdieu e Jean Claude Passeron. In: Educação e Linguagem. nº 16, São Bernardo do Campo: Universidade Metodista, 2007, p. 106-126
DEWEY, John. Democracia e educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959.  
 ALTHUSSER, Louis. Pour Marx. 4. ed. Paris: Maspero, 1967. ______. Aparelhos ideológicos do Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1983. BALIBAR, Étienne. Sobre os conceitos fundamentais do materialismo histórico. In: ALTHUSSER, Louis; BALIBAR, Étienne; ESTABLET, Roger. Ler o capital. Vol. II. Rio de Janeiro: Zahar, 1980. p. 153-274. BAUDELOT, Christian; ESTABLET, Roger. L’école capitaliste en france. Paris: François Maspero, 1971. BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982.

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